Neste post, vamos falar um pouco sobre os desafios para construir uma identidade de marca única e positiva, capaz de gerar diversas vantagens competitivas frente a seus concorrentes. Essa construção é feita em projetos de branding, que podem ser executados por agentes internos, externos ou (idealmente) numa colaboração entre um time interno e especialistas externos, com o papel de facilitadores.

Para começar, vamos fazer um breve alinhamento sobre a estratégia deste tipo de projeto.

Identidades de marca são manifestadas por meio de sinais

Já parou para pensar por que na sua carteira de identidade há um espaço reservado para a sua impressão digital? Além do número de registro, que é atribuído por um sistema, a marca de tinta deixada pelo seu polegar é um sinal individual e intransferível, que só diz respeito a você.

Todos temos características que nos tornam únicos, ainda que elas não estejam visíveis. O desafio para construir uma identidade de marca, portanto, parte dessa sequência lógica de três passos:

1- Chegar a um consenso sobre as características que definem quem somos como organização
2- Definir como essas características se transformam em sinais
3- Traçar uma estratégia para uso desses sinais em diferentes plataformas

Vamos tratar primeiro das características definidoras.

Quando falamos sobre “chegar a um consenso”, é porque é fundamental que todos aqueles com voz ativa sobre os rumos da marca tenham a mesma visão sobre ela. Isso, por si só, já é um grande desafio, que pode ser vencido com mais facilidade quando há mediadores externos para conduzir as dinâmicas. Quando não há consenso, nada mais funciona: cada um quer apontar para um lado, as construções de um são sabotadas pelo outro e, nessa confusão, é a marca que sai perdendo.

Essa discussão precisa ser madura e profunda. Para conduzi-la, é necessário um bom embasamento teórico, para sensibilizar os líderes e gestores, a fim de entender o impacto de suas escolhas.

Há diversas correntes de pensamento e autores na área de gestão de marca. Muitos deles propõem modelos – representações das ideias da marca em forma de infografias organizadas em formatos particulares. Alguns desses modelos utilizam a chamada lógica de “cebola”, em que há camadas concêntricas da marca, da mais interna à mais externa, o que significa que os elementos mais externos gravitam em torno de um elemento central, uma origem, um foco, um core value.

Três circulos, um dentro do outro com alguns escritos

Note como os valores de personalidade e as proposições tangíveis, nestes modelos, derivam do core. Esse insight central, a Big Idea, portanto, tem enorme valor para a marca, como o pilar de sua construção.

Descobrindo o core: do que a sua marca é feita?

A relação entre a marca e o produto é simbiótica. Um não sobrevive sem o outro. Por isso, é fundamental que eles estejam apontando para um mesmo lugar.

Imagine uma bolsa feminina de alto luxo, com design assinado, que usa a escassez como argumento de venda para seu alto valor agregado. Edições limitadas, muitas vezes numeradas; lojas somente em locais de altíssimo poder aquisitivo; comunicação conceitual e com informação de moda. Agora, imagine se este produto começa a ser vendido pela internet numa promoção “duas pelo preço de uma”. Não é um sinal que diverge da construção de marca anterior? Nesses casos, ou muda-se a essência da marca, ou muda-se a estratégia promocional.

Em nossa experiência, sabemos que todos temos uma essência. Um dos grandes desafios de um projeto de branding é facilitar o caminho dos líderes e gestores até que encontrem essa essência por eles mesmos. Ainda que não consigam definir com toda a inspiração que os publicitários injetam, é fundamental que esse core seja genuíno. Caberá ao time externo, como dizemos por aqui, “colocar um laço de fita” para torná-lo mais palatável na comunicação e, com isso, conquistar uma posição de destaque.

Identidade de marca X imagem da marca

Para entendermos melhor como uma marca conquista um espaço na mente de seus públicos, precisamos desenvolver o conceito de identidade x imagem.

Se até agora tratamos sobre a identidade, isto é, o que te torna único, especial, falamos de algo totalmente ligado à emissão de sinais. Ou seja, se eu sou descontraído em minha essência, posso me decidir por emitir sinais descontraídos, tais como um texto engraçado ou uma charge.

Porém, é aí que reside o desafio da comunicação.

A formação da imagem está ligada ao conceito de recepção, ou seja, varia de acordo com a maneira como os públicos interpretam os sinais.

imagem ilustrativa de identidade apontando para imagem

Sendo assim, a comunicação está condicionada a fatores como cultura, repertório pessoal do receptor e contexto momentâneo.

Aspectos culturais

Seguindo a definição de Edward B. Tylor, entendemos como cultura “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.

Na China, as noivas usam vermelho, enquanto por aqui o branco é a escolha mais comum. Já pensou como seria uma marca de noivas usando ostensivamente a cor vermelha, aqui, no Brasil?

Lembro-me de uma vez que estava apresentando um projeto a um colega americano, e tive dificuldades para explicar a ele o que era um jornal de classificados. Foi minha primeira lição sobre a complexidade de traduzir ideias com raízes culturais, que eu jamais havia percebido. Ele nunca tinha visto um. Não entendeu para que serve, nem quem pagaria por aquilo. Era, para ele, uma ideia difícil de imaginar.

Numa escala menor, pergunte a qualquer cearense se ele acha que junho é um bom mês para um festival de pop rock. As chances maiores são que as festas de São João ofusquem qualquer iniciativa desalinhada com esse traço cultural.

Repertório pessoal

Cada um de nós é criado com certos valores familiares, frequenta um tipo de escola e convive com determinado tipo de gente. Isso faz com que a nossa moral e tolerância sejam moldadas àquilo a que estivemos expostos durante esse tempo.

Se a cultura é o complexo de hábitos, aqui estamos falando de microfatores.

Pessoas que nunca tiveram acesso à TV a cabo, por exemplo, podem achar pedante alguma piada baseada no seriado Friends, se é que elas vão entender.

Experimente tentar convencer um sedentário convicto a praticar wakeboard. Ou um cervejeiro de boteco a explorar as nuances da casta Nebbiolo numa viagem ao noroeste da Itália.

O repertório pessoal define, em grande parte, os julgamentos sobre o que é tradicional, o que é inovador, o que é coisa de gente chata e o que é a alegria do povo.

Por último, aqui também se guardam as relações das pessoas com as marcas, construídas, individualmente, ao longo do tempo. Todos temos marcas que amamos, seja por influência de pais, amigos ou por experiências marcantes que tivemos em nossas vidas.

A Coca-Cola sofreu com manifestações populares quando sugeriu uma mudança maior no sabor do seu produto. Neste caso, dá pra dizer que é uma marca de propriedade de seus consumidores, não mais da empresa que detém os direitos de uso.

Contexto momentâneo

Neste momento em que escrevo, estamos nos aproximando do que se espera ser o grande pico da covid-19 no Brasil. Se eu estivesse falando sobre uma marca de bebidas que incentiva encontros e festas (no jargão atual, as aglomerações), embora o propósito fosse nobre, estaria completamente equivocado porque o contexto do momento é de isolamento social.

A crise do novo coronavírus é um grande determinante de contexto para os dias de hoje, mas devemos ter em mente, a longo prazo, que há sempre fatores deste tipo influenciando a ótica com que as pessoas vêem e compreendem as mensagens. Igualdade de gênero, lugar de fala, soberania nacional X preservação da amazônia, é fácil fazer uma lista de tópicos “quentes”.

As redes sociais são um excelente termômetro, com seus “trending topics“, que podem ser desencadeados por um fator qualquer, seja um presidente com uma fala infeliz, seja uma celebridade que resolve levantar a bandeira de uma causa. Novelas, crimes, leis, tudo o que exerce influência cultural pode criar situações de contexto.

Entender os conceitos de Identidade e Imagem nos ajuda a perceber a importância de um planejamento de marca consistente, abrangente e, acima de tudo, verdadeiro.

Storytelling da marca: resgatando verdades

Em Lovemarks, Kevin Roberts coloca como grandes forças das marcas a tríade entre mistério, sensualidade e intimidade. E é fácil perceber que toda boa história precisa de uma dose de mistério.

Então quer dizer que ele começou a montar computadores na garagem de casa? Ele quebrou mais de 10 empresas e chegou a fritar hambúrgueres num fast-food antes de se tornar bilionário com sua startup? Ela cantava num cabaré e trabalhava de balconista numa loja de aviamentos, para então se tornar uma das maiores estilistas da história?

foto de Coco Chanel

As pessoas precisam, querem se apegar a histórias incríveis. E é necessário que as marcas saibam explorar as verdades em suas histórias. Quem era o fundador, como ele começou? Quais momentos foram viradas de chave para o negócio? E o maior desafio: como transformar esses momentos em grandes histórias, sem perder de vista a veracidade das informações?

Hoje, todos os telhados são de vidro. Qualquer um pode fazer uma checagem dos fatos, e qualquer inverdade é espalhada pela internet com uma velocidade destruidora de reputações.

É preciso que as marcas saibam separar storytelling de fantasia. O primeiro, encanta. O segundo, engana.

Verdade de marca: a promessa fundamental

Outro aspecto a se explorar na definição da identidade de marca é entender quais as verdades que permeiam a construção da relação entre os produtos e seus clientes. Se você tem o carro mais rápido, ou o perfume mais sedutor, é preciso que o time de produtos tenha a segurança de prometer aquilo que pode cumprir, para então, a comunicação entrar em cena.

Quando uma marca promete um sabor, uma sensação, um ganho, ela está gerando expectativa em seus clientes. E ninguém gosta de ter suas expectativas quebradas, não é mesmo?

Essas são as principais discussões necessárias para o desenvolvimento de um projeto de identidade. Mais que pensar no tom de azul ou na foto para a capa do folder, é preciso que os líderes e gestores entendam que um projeto sólido de construção de marca começa pelo seu alicerce.

Neste caso, boas ideias, verdades e, principalmente, muito alinhamento interno. Esses são os ingredientes para nutrir uma boa identidade marca.

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