Em tempos de discussões sobre minorias sociais, a questão de gênero toma uma dimensão inédita. Presente em debates que vão da política à moda, a temática pode ser considerada novidade para alguns. Apesar disso, com um olhar mais atento, é possível perceber que a conversa já não é tão nova. Mas, afinal, o que significa gênero fluido e como esse assunto influencia nos nossos negócios?

A Identidade de Gênero

A Organização das Nações Unidas, em sua publicação Livres & Iguais, define a identidade de gênero como a “experiência de uma pessoa com o seu próprio gênero”. Dessa forma, o gênero com o qual uma pessoa se identifica pode ou não concordar com o que lhe foi designado ao nascer.

Existe uma diferença entre gênero e sexo: o segundo é um determinante biológico, se referindo a aspectos anatômicos, morfológicos e fisiológicos; já gênero é uma dimensão construída social, cultural e historicamente em associação ao sexo atribuído. A identidade de gênero nem sempre corresponde ao sexo do nascimento. É o caso das pessoas transexuais e não binárias, que sofrem com a sensação de não pertencimento do corpo que possuem. Trata-se de um sentimento que vai muito além do simples incômodo estético e pode afetar psicologicamente a formação do indivíduo.

Orientação sexual x Identidade de gênero

Também é necessário diferenciar a orientação sexual da identidade de gênero. Como o próprio nome diz, o segundo termo trata da auto identificação do indivíduo. Já a orientação sexual diz respeito à expressão da sexualidade e à forma de se relacionar afetiva e sexualmente.

Parece complicado? Dá uma olhada nesse glossário que preparamos:

  • Identidade de gênero: maneira como o indivíduo se sente e se apresenta socialmente, independente da designação biológica de sexo.
  • Transgênero: indivíduo que se identifica com um gênero ou sexo diferente do que lhe foi atribuído no nascimento.
  • Cisgênero: Pessoa que se identifica em todos os aspectos com o gênero ou sexo designado em seu nascimento; também chamado de cis.
  • Gênero binário: classificação do gênero em duas categorias distintas e desconectadas, o masculino e o feminino.
  • Gênero não-binário: todas as identidades de gênero que extrapolam os aspectos femininos e masculinos ou transitam entre os dois; as pessoas não-binárias são sempre consideradas transgênero, pois não se identificam com o gênero de nascimento ou com o gênero oposto.
  • Orientação sexual: inclinação do indivíduo nos sentidos afetivo e sexual; indica por quem a pessoa se sente atraída.

Os papéis de gênero na sociedade

De acordo com a antropóloga e professora da UFSC Miriam Pillar Grossi, os papéis de gênero podem ser vistos como um papel desempenhado por um personagem. As designações intrínsecas ao sexo biológico, determinado ainda no útero, são consideradas no papel de gênero: atributos que estabelecem comportamentos e atributos “típicos” ou “naturais” de cada gênero. Na cultura ocidental, esses papéis são pautados na dicotomia masculino-feminino.

No contexto ocidental, por exemplo, é culturalmente estabelecido que homens são ativos, racionais, objetivos e de instinto sexual mais aflorado. As mulheres, por sua vez, são emotivas, naturalmente passivas, sensíveis e introvertidas. Dessa forma, as atividades masculinas são cultural e tradicionalmente voltadas para o serviço da sociedade como um todo, enquanto as atividades femininas se dão na esfera privada (família e lar).

Esses estereótipos são reforçados em diversas esferas: filmes, músicas, livros e contos de fadas. O debate atual é justamente quanto à rigidez desses padrões de conduta, que vem sendo questionados desde a década de 60, na segunda onda do feminismo.

As gerações atuais não querem se limitar a comportamentos pré definidos e se consideram além dos papéis que a sociedade espera que sejam desempenhados por eles. Isso abriu caminho para uma maior representação da pluralidade de gêneros existente.

O gênero fluido

Uma pesquisa do Y Pulse declarou que as gerações Millennial e pós-Millennial são mais confortáveis com a mistura e a flexibilidade de gêneros. Quase 80% deles acreditam que não há problema algum em homens serem femininos e mulheres serem masculinas, de forma que o gênero não define a pessoa. Esses consumidores optam por discursos de gênero neutro, onde não faz diferença ser homem ou mulher, cis ou trans.

Genero Fluido

Por mais que possa parecer confuso, esse novo lugar do gênero está aí e não pode mais ser ignorado. Mais que aceitar e respeitar, é preciso levar em conta os novos espectros de gênero e incluí-los. Desde a diversidade de gêneros em postos de trabalho, ampliando as visões das empresas em diversos níveis, até a fabricação de produtos não pautados por estereótipos de masculino e feminino.

A reação das marcas

As formas de atender a essa demanda de consumo são variadas. Grandes marcas apostam em desviar do lugar comum dos papéis de gênero, seja no marketing ou nos produtos. Lojas com propostas a-gênero surgem nos mais diversos setores, desde roupas e acessórios até brinquedos para crianças. A marca Gap realizou alterações significativas em suas lojas e produtos após receber uma carta de uma menina de 5 anos reclamando que as roupas para meninas são todas “rosa e cheias de princesas”. A L’Oréal saiu à frente do setor de beleza e cosméticos ao lançar, em 2016, um vídeo com uma modelo trans. Na campanha, o Dia Internacional da Mulher era também a celebração do primeiro ano da modelo como “Valentina”.

Também é preciso combater o preconceito contra um público ainda sub representado, se valendo de ações inclusivas. Um bom exemplo é o da Coca-Cola, que em junho de 2017 distribuiu latas de Coca com Fanta laranja dentro para os colaboradores da empresa. A ação, batizada de “Essa Coca-Cola é Fanta. E daí?”, fez parte da campanha para o Dia Internacional do Orgulho LGBT junto com outras medidas educativas voltadas para o público interno.

Cuidado com o discurso!

Ao adotar uma postura de respeito e inclusão, as marcas e empresas se tornam mais humanas. Mas de nada adianta um discurso vazio. Os próprios funcionários, em sua conduta diária, reproduzem a cultura da empresa e isso muitas vezes é exposto ao público através das redes sociais. Incluir vozes diversas na equipe ensina que o respeito não existe apenas “da porta para fora” e evita que discursos preconceituosos e estereotipados se propaguem ainda mais.

Mais que uma tendência, o gênero fluído parece uma mudança social e cultural sem volta. Adaptar-se a este novo público e a estas novas formas de comunicação é estar preparado para um futuro que já bateu na porta há mais de 40 anos.

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